A anorexia nervosa geralmente não aparece de forma brusca. Ela vai se instalando aos poucos, muitas vezes disfarçada de escolhas “mais saudáveis” ou de um cuidado exagerado com o corpo. Com o tempo, aquilo que parecia uma tentativa de controle pode acabar assumindo o comando da vida da pessoa.

Para começar essa reflexão, vale observar o quanto os pensamentos sobre comida, peso e aparência têm ocupado espaço no dia a dia. Essas ideias estão cada vez mais frequentes? A voz interna ficou mais dura, cheia de regras rígidas sobre o que pode ou não pode comer?

Se este texto chamou a atenção, é possível que algo na relação com a comida — própria ou de alguém próximo — tenha despertado um sinal de alerta. Diante disso, o convite é simples: não ignorar esses sinais e seguir a leitura com atenção até o final.

O acontece na anorexia nervosa

A anorexia nervosa é um transtorno alimentar marcado por restrição alimentar severa, associada ao medo intenso de ganhar peso e percepção distorcida da própria imagem corporal, ou seja, mesmo estando muito abaixo do peso, a pessoa acometida pela anorexia continua percebendo-se como “gorda” e com necessidade de perder mais peso.

A pessoa que sofre com esse transtorno, mantém um peso corporal abaixo do minimamente adequado para a idade, gênero, fase de desenvolvimento e saúde física.

Essa definição “técnica” é importante, mas não descreve com detalhes a experiência de quem vive com esse transtorno: a angústia ao se olhar no espelho ou subir na balança, a culpa paralisante após cada refeição, o cálculo calórico de cada alimento no prato, a preocupação com a forma de preparo (especialmente quando preparado por outra pessoa), o cansaço constante que tenta ignorar, além de tantos outros pensamentos, sentimentos e comportamentos relacionados ao tema.

Estudos mostram que, entre os transtornos alimentares, a anorexia nervosa é um dos que apresentam maior risco de morte. Esse risco está ligado tanto às complicações físicas quanto ao aumento de pensamentos suicidas. Os problemas de saúde surgem, principalmente, porque o corpo passa a receber muito menos alimento do que precisa para funcionar.

Essa falta de energia afeta vários sistemas do organismo. Ossos, músculos, sistema digestivo, hormônios e coração podem sofrer alterações importantes, muitas vezes levando à necessidade de internação e cuidados médicos mais intensivos.

Mesmo sendo um transtorno sério, a anorexia nervosa tem tratamento e recuperação. Quanto mais cedo a pessoa busca ajuda, maiores são as chances de reconstruir uma relação mais saudável com o próprio corpo, com a comida e com a vida.

Como reconhecer os sinais de anorexia

Você pode estar se perguntando: “Isso é realmente um problema ou é um exagero?” É comum minimizar o que está acontecendo, especialmente quando parte de você ainda sente que está “no controle”.

Para ajudar a identificar os sinais, listo alguns que merecem atenção:

No seu comportamento:

  • Contar calorias obsessivamente ou estabelecer regras alimentares cada vez mais rígidas?
  • Evitar situações sociais que envolvem comida ou inventar desculpas para não comer junto com outras pessoas?
  • Separar os alimentos no prato, comer lentamente?
  • Praticar exercícios físicos de forma compulsiva e intensa e sentir culpa quando não consegue se exercitar?
  • Reduzir ainda mais a ingesta calórica nos dias que não consegue se exercitar?
  • Preocupar-se em compensar drasticamente nas demais refeições quando come algo considerado “muito calórico” por você (por exemplo a ceia de Natal)?
  • Pesar-se várias vezes ao dia ou, ao contrário, evitar completamente a balança e o espelho?
  • Adotar o uso de roupas largas para disfarçar e não ser percebido pelas pessoas?

Nos seus pensamentos:

  • Acreditar que o seu valor como pessoa está diretamente ligado ao número aparente na balança, à forma corporal ou ao que acredita ser a expectativa dos outros?
  • Sentir-se constantemente em uma “batalha” contra a fome ou contra seu próprio corpo?
  • Ter pensamentos sobre comida, peso e aparência na maior parte do seu dia?

No seu corpo:

  • Sentir mais frio do que o habitual, mesmo em dias quentes?
  • Sentir as extremidades (pés e mãos) frias?
  • Sentir arritmia cardíaca?
  • Ficar constipado e com dificuldade para evacuar?
  • Passar a ter queda de cabelo, unhas enfraquecidas, pele seca, ou uma camada fina de pelos no corpo (chamada de lanugo)?
  • Sentir tonturas, fraqueza, cansaço ou dificuldade para se concentrar?
  • Sua menstruação (em caso de mulheres) parou ou ficou irregular?

Esses sinais não são “frescura” nem algo que você simplesmente possa decidir parar ou controlar. São sinais de alerta de que o seu corpo está tentando sobreviver com os poucos alimentos que recebe. A anorexia é uma condição séria que envolve aspectos biológicos, psicológicos e sociais.

Por que é preciso tratar

A desnutrição por um longo período acaba afetando todo o corpo. O coração pode ficar mais fraco e bater de forma irregular, os ossos perdem força e o risco de fraturas aumenta — inclusive em pessoas jovens. O cérebro, que precisa de energia o tempo todo, também sofre: a memória, a concentração e o humor podem ficar prejudicados.

Mas os impactos não são só físicos. A qualidade de vida também é profundamente afetada. É comum que pessoas com anorexia nervosa se afastem do convívio social, tenham dificuldades nos relacionamentos e enfrentem prejuízos nos estudos ou no trabalho. Além disso, quadros como depressão e ansiedade aparecem com muita frequência junto ao transtorno.

Pessoas mais vulneráveis à anorexia nervosa

A anorexia nervosa aparece com mais frequência em pessoas do sexo feminino e, na maioria dos casos, tem início entre a adolescência e o começo da vida adulta. Esse período costuma coincidir com fases de maior cobrança sobre aparência, identidade e aceitação social.

Além disso, algumas profissões reforçam padrões estéticos rígidos, passando a ideia de que sucesso e reconhecimento estão ligados ao peso corporal. Modelos e atores, por exemplo, recorrem a maquiagens, edições de imagem e recursos visuais que criam um padrão de magreza difícil — e muitas vezes impossível — de alcançar na vida real. Em esportes como balé, corrida de longa distância e artes marciais, há uma pressão constante para manter o corpo magro, associando peso baixo a melhor desempenho e competitividade.

Os meios de comunicação também contribuem para esse cenário ao “venderem” dietas milagrosas e promessas rápidas de emagrecimento, reforçando a ideia de que corpos magros representam mais autoestima, sucesso e autocontrole.

A boa notícia?

Estudos longitudinais demonstram que, com tratamento adequado, entre 50 a 70% das pessoas com anorexia nervosa conseguem recuperação completa ou significativa.

A Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) tem se mostrado especialmente eficaz no tratamento de transtornos alimentares, mas por se tratar de um transtorno alimentar complexo, os melhores resultados contam com equipe interdisciplinar, composta também por nutricionista, psiquiatra e clínico geral.

Como a Terapia Pode Ajudar

Na abordagem da TCC, trabalhamos juntos para entender os pensamentos e crenças que mantêm os comportamentos alimentares disfuncionais. Através disso você pode aprender a:

Identificar e desafiar pensamentos distorcidos — aqueles que dizem “se eu comer isso, vou engordar imediatamente” ou “meu valor depende do meu peso”. Vamos examinar as evidências reais por trás desses pensamentos e construir formas mais flexíveis e realistas de pensar.

Desenvolver uma relação mais compassiva com seu corpo — substituindo a autocrítica cruel por uma voz interna mais gentil e compreensiva. Seu corpo não é seu inimigo; ele tem feito o possível para te manter funcionando, mesmo em condições difíceis.

Estabelecer padrões alimentares regulares e nutritivos — de forma gradual e respeitosa, sem imposições abruptas. A meta não é apenas “comer mais”, mas reconstruir uma relação com a comida que seja funcional e, eventualmente, prazerosa.

Trabalhar estratégias para lidar com emoções difíceis — muitas vezes, a restrição alimentar funciona como uma forma de controlar sentimentos que parecem insuportáveis. Durante o trabalho conjunto encontramos outras ferramentas e recursos mais saudáveis e eficazes para o caso.

Por onde começar

Reconhecer que você precisa de ajuda não é fraqueza — é coragem. É escolher cuidar de si mesmo(a) com ajuda especializada, em vez de continuar lutando sozinho(a) contra algo que é um grande desafio para você.

Se você se identificou com o que leu aqui, considere procurar um profissional especializado em transtornos alimentares. O tratamento geralmente envolve uma equipe multidisciplinar: psicólogo, psiquiatra, nutricionista e, quando necessário, médico clínico. Cada profissional destes profissionais tem um papel importante no cuidado integral.

Se você leu até aqui pensando em alguém que você conhece/convive, saiba que seu apoio importa. Para isso, evite comentários sobre peso ou aparência, não force a pessoa a comer, mas esteja presente e disponível. Incentive-a a buscar ajuda profissional e ofereça-se para acompanhá-la nesse processo, se ela desejar.

Para finalizar

Você merece ocupar espaço no mundo. Você merece nutrir seu corpo e sua mente. Você merece viver uma vida que não gire exclusivamente em torno de calorias, balanças e medidas.

A recuperação da anorexia não é linear — haverá dias melhores e dias mais difíceis. Mas cada pequeno passo em direção ao cuidado conta e é uma vitória. Lembre-se de que você não precisa fazer essa jornada sozinha.

Se você está pronta para dar esse passo, estou aqui para te acompanhar.

Importante: Este texto tem caráter informativo e não substitui avaliação profissional individualizada. Se você ou alguém que você conhece apresenta sinais de transtorno alimentar, procure ajuda especializada. Em situações de emergência, procure atendimento médico imediato.